Palavras não são números; não têm precisão matemática. Cada
termo, conforme vai sendo utilizado pela ordem social no decorrer do tempo,
adquire novas camadas de significados a que os novos falantes são obrigados a
considerar. O indivíduo educado no uso da linguagem humana deve ser capaz de
perceber e distinguir essas várias dimensões das palavras presentes em cada
discurso que ouve ou profere. Sem essa capacidade, efetivamente não há comunicação;
estando impossibilitada a compreensão plena das sutilezas inumeráveis da linguagem.
O que sobra é uma expressão subumana em que o vocábulo – o som característico
da palavra – vale pela carga emocional que representa no padrão grupal. Se for
algo aceito pelo coletivo é "bom" e desperta aceitação automática; caso contrário, rejeição instantânea.
Em ambos os casos, abdica-se do uso da razão como mediadora do comportamento.
Especialmente as palavras que se enquadram no chamado “vocabulário
politicamente correto” visam criar um padrão de reconhecimento coletivo, como os
sons utilizados entre os lobos de uma mesma alcateia. Definitivamente isso não
é linguagem humana e, entretanto, é quase tudo que resta na babel, que inconvenientemente
se chama de debate público hoje no Brasil e que acreditam ser a saída para a
crise geral que nos assola. Ninguém ali está interessado em compreender o
outro, mas exclusivamente em classificar qualquer falante em um dos grupos ideológicos
vigentes e identificá-lo como “companheiro” ou inimigo de classe. Por ironia do
destino, muitos destes “sábios” debatedores insistem em bradar aos quatro
ventos as palavras “diversidade”, “democracia”, “respeito” e outras similares. Creio
que parte deles sequer nota a incoerência na utilização desses termos como
símbolos verbais de autoidentificação, reforço e isolamento grupal, quando, de
fato, tais palavras significam a possibilidade de comunicação e convivência
entre os vários grupos possíveis, desde que o uso da língua fosse utilizado
racionalmente.
A compreensão adequada de um discurso não é um dom
espontâneo da espécie humana. Tal entendimento exige uma base de conhecimento adquirida
da experiência social, a partir do que o sujeito pode captar as camadas de
sentido por trás dos termos vigentes na fala e apreender como tais conceitos se
encaixam na unidade cultural da civilização da qual ele faz parte. Sem essa visão
de mundo íntegra e edificante é impossível desenvolver-se certas funções mentais
que determinam a inteligência humana. O psicólogo romeno-judeu Reuven
Feuerstein classificou esse fenômeno de deficiência cognitiva como Síndrome da Privação
Cultural e a colocou como uma das causas da pandemia de transtornos de
aprendizagem que afetam a Educação mundial.
Para resolver esses transtornos, ele desenvolveu um
instrumento magnífico chamado Programa de Enriquecimento Instrumental-PEI que,
por meio de desafios lógicos, conduzidos por um mediador, desperta e
conscientiza o mediado para a utilização de 29 funções cognitivas ou mentais necessárias
para a captação e compreensão da realidade, sua expressão verbal e reação comportamental
apropriada para se melhorar a inteligência. Tendo me formado pelo Centro de Desenvolvimento
Cognitivo do Paraná como mediador do PEI, tenho convicção de que esse programa poderia
ser uma das poucas soluções para resolver a debacle cognitiva da educação
nacional.
Infelizmente, é quase impossível alterar a grade curricular
das escolas, já abarrotada de conteúdos que levam os nossos alunos cada vez mais
para o fim do ranking nas avaliações mundiais do ensino público. E a situação tende
a se agravar caso seja implementada a nova Base Nacional Comum Curricular/BNCC,
que aprofunda a ideologia politicamente correta nas escolas. Parece mesmo que ninguém
do governo está interessado em ensinar os alunos a desenvolverem a inteligência;
basta que repitam os “chavões ideológicos” do coletivo da moda, como cães bem
adestrados. Assim estarão prontos para o debate público nacional, como estão
fazendo em São Paulo em relação às mudanças propostas pelo governo para a rede
estadual de ensino. Para tal comportamento crítico, conforme a doutrina de Paulo
Freire, seria pura perda de tempo potencializar 29 funções cognitivas, quando
apenas alguns vocábulos bradados sem sentido, além de tacapes, pedras e bombas,
são suficientes para garantir a civilização utópica do admirável mundo novo.
Não é à toa que a BNCC quer diminuir as referências às civilizações
clássicas, que criaram as “maravilhas” da cultura ocidental, como a Catedral de
Notredame ou o computador, e priorizar as nossas raízes indígenas. Estaremos
assim mais aptos a fabricar tacapes, machados e flechas e, quem sabe, até
dispostos a experimentar um pouco de canibalismo, como nossos ferozes
tupinambás.